13 RAZÕES PARA NÃO CRITICAR 13 REASONS WHY

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*Pode conter spoilers.

Assisti à série hypada produzida pela Selena Gomez, que, por coincidência, nasceu no mesmo dia que eu. E, por coincidência, ou coisa dos astros mesmo, amei que nem ela. Me deleitei com cada personagem. Entendi a psiqué e a profundidade de todos. Comentei com pais e amigos. Compartilhamos comentários.

Começaram a me mandar críticas e mais críticas de diversos sites. “Não sei quantos mil motivos para não assistir a série pra cá”. “Foram muito irresponsáveis pra lá”.

De fato, a série romantiza o suicídio. A protagonista é linda e deixa um rapaz muito fofo atordoadíssimo com a morte dela. Só isso seria o bastante para Romeu e Julieta revirarem a cova.

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Como não fosse o bastante, a história tem ares de vingança, sim. Hannah faz questão de imputar o máximo de culpa a cada um dos seus algozes, violentando-os psicologicamente. Exatamente como cada um deles a fez sentir em vida. Tudo à custa de sua própria morte. Pesado.

Ah. Por não conhecer ou  por não dar bola mesmo para a máxima: “não importa o que fizeram de mim. Importa o que eu fiz com aquilo que fizeram de mim” –  para o desgosto de Sartre – a adolescente de 17 anos vai fundo no papel de vítima e comete o ato trágico de acabar com a própria vida. Tudo isso sem encarar seus próprios monstros, frustrações ou assumir a parcela de culpa que lhe cabia na sucessão de fatos amargos que desencadearam o traumático ensino médio.

Tudo Verdade.

Ainda assim, há pelo menos 13 motivos pelos quais eu acho que 13 Reasons Why merece todos os créditos:

1 – OBRAS ARTÍSTICAS E DRAMÁTICAS SÃO DE LIVRE EXPRESSÃO DO AUTOR

Que o suicídio não é uma coisa legal é o óbvio ululante, né, gente. Mas por favor, não fique achando que você é o único espertalhão-com-senso-crítico. Tampouco deseje a volta da censura para as obras dramáticas. Não há nada mais retrógrado. Além do que: é arrogante achar que todos os telespectadores, leitores e afins são massa de manobra. Só você não. Digo mais: há adolescentes, hoje, mais espertos e argumentativos que nós.

2 – A OBRA É REALISTA E TEM UMA ENORME FORÇA DE DEBATE

A verossimilhança dos comportamentos é garantida pelo fato dos roteiros e gravações terem sido acompanhados por profissionais da saúde, como psicólogos. A personalidade polêmica dos personagens nos leva à reflexão e ao debate, o que, incontestavelmente, contribui para a formação mais completa, consciente e humana de qualquer cidadão. Não subestima a sua inteligência nem oculta de você qualquer faceta da realidade.

3 – VOCÊ PODE SE IDENTIFICAR MESMO NÃO SENDO ADOLESCENTE

Ainda que você se julgue muito maduro, há inúmeros motivos para ter uma baita catarse com a série. Afinal, a adolescência só é a parte da vida em que os acontecimentos e sensações ficam superlativos. E, se todo mundo tem uma criança interior, com certeza o adolescente está latente aí também. Além disso, Bullying, Assédio e Misoginia – temas da série – acontecem em qualquer ambiente coletivo. Só não enxerga quem não tem coragem.

4 – A SÉRIE NÃO FALA DE IMPUTAÇÃO DE CULPA, FALA DE RESPONSABILIDADE

Se trocarmos a palavra culpa por responsabilidade, a coisa ganha timbres mais razoáveis. Explico. Culpa é uma palavra com carga religiosa. Lembra castigo. E falar disso hoje em dia soa demodé. Mas a verdade é que culpa está relacionada à ideia de responsabilidade, que é mais aceita na sociedade, até juridicamente. Nesse viés, a série procura dar enfoque à responsabilidade que nós, seres sociais que somos, temos, ou deveríamos ter, em relação aos outros.

5 – HANNAH BAKER NÃO É A ÚNICA VÍTIMA

Ela protagoniza o papel de vítima, mas a série deixa claro que algozes também vivem seus próprios infernos e tentam lidar com suas próprias fraquezas. Ainda que de um jeito covarde. Talvez porque não saibam fazê-lo de outra forma. Recusam o posto de vítima. Por isso agridem. Insensivelmente. Sem dó, nem piedade. Dá pra se identificar com vários personagens. A série procurou destrinchar os personagens na medida do possível e dar uma visão global do entorno. Bem interessante.

6 – CADA UM SABE A DOR (E, ÀS VEZES, A DELÍCIA) DE SER O QUE É

Muitos artigos que li questionaram a futilidade das razões de Hannah. Sim, é um contexto adolescente. Mas que trata de abandono. Traição. Incompreensão. Assédio. Bullying. Em relação à profundidade dos sentimentos da personagem, cabe mesmo a nós dimensionar a dor alheia? O que é doído para B pode não ser para C. Precisamos nos lembrar que o agressor raramente lembra da agressão. O pé pisado é que fica latejando. E você nunca sabe se ele já tava inflamado. Chamá-la de problemática, sim, é fútil. Agredir é fútil. Afinal, problemas: quem não os tem?

7 – O CONCEITO DE AMOR AO PRÓXIMO É ANTIGO, MAS PARECE QUE AINDA NÃO FOI TESTADO

A série atenta para o caos do egoísmo e da individualidade extrema que estamos sendo levados a viver. Os algozes de Hannah agiam como todos nós temos aprendido a agir: “quando você se torna mais popular que um amigo, deixe ele pra trás. Quando a sua paixão por alguém ameaça te expor, joque a culpa nela” (The Ringer). Tenho ouvido muito por aí também coisas do tipo: “se a presença de alguém não te faz bem por qualquer motivo use a desculpa de que a “energia” dela não combina com a sua. Não tenha receio de pensar só em você e isole-a, sem dó”. Pensamentos ególatras, sem qualquer senso de compaixão. Estamos subvertendo a cada dia qualquer senso de amor ao próximo. A série, por sua vez, só me encheu de vontade de amar ainda mais.

8 – A NARRATIVA DAS FITAS DE HANNAH BAKER É TOCANTE

A personagem principal tem claramente vocação jornalística ou literária na série. Isso é comentado em um dos episódios como opção de carreira para ela. Sob essa justificativa, cada palavra de suas fitas é um verdadeiro deleite. Construções bem feitas. Raciocínios brilhantes. Quase um poema. Sensível e peculiar. Frases que dão vontade de anotar no caderninho e escrever na parede. Uma aula para quem ama redação.

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9 – A NÃO LINEARIDADE DO ROTEIRO É INSPIRADORA E CRIATIVA

A escolha por contar a história no melhor estilo flash back dá uma dinâmica interessante aos episódios. As lembranças de Hannah vão aos poucos se misturando às lembranças do amigo Clay, em pontos de vistas distintos, mas igualmente profundos e cheios de emoção. Tudo feito com muito esmero.

10 – A SÉRIE TE DÁ MUITA ESPERANÇA

A índole e o coração do personagem Clay vão fazer você recobrar a esperança na humanidade. Ainda que você o ache fechado, omisso e meio frouxo. Além do mais, trilha sonora vai fazer com que você tenha vontade viver! E voltar a viver romances adolescentes cheios de delicadeza e emoção ❤

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11 – SE VOCÊ JÁ SOFREU COMO HANNAH, SE SENTIRÁ COMPREENDIDO

Se você já sofreu bullying, assédio ou coisa pior, você não vai mais se sentir só. Bilhões de pessoas têm a mesma matriz, a mesma sensibilidade e o coração da Hannah. Amaram a série e te entendem. Uma delas sou eu. A outra é a Selena Gomez.

12 – SE VOCÊ JÁ AGREDIU ALGUÉM POR MOTIVOS FÚTEIS, TALVEZ SUA MENTE SE ILUMINE E VOCÊ TAMBÉM NÃO SE SINTA SÓ PARA ADMITIR ISSO

Se você já praticou bullying, assédio ou estupro talvez você entenda que descontar as suas frustrações nos outros pode ter consequências catastróficas (desculpem colocar todos os atos na mesma linha. Mas é preciso deixar claro que todas essas são formas covardes de agressão). Se você só consegue se divertir ou ter prazer assim, é provável que, tanto quanto Hannah Baker, você precise de ajuda. Uma dica simples para o bullying é: você, constantemente, faz piadas com alguém em que esse alguém não se diverte? Alguma coisa tá errada 😉 Piada legal mesmo é piada que faz todo mundo rir. 

13 – SE VOCÊ ESTIVER NUMA POSIÇÃO DE AUTORIDADE E PUDER FAZER ALGO PARA MELHORAR AS RELAÇÕES ENTRE AS PESSOAS, TALVEZ VOCÊ SE SINTA INCLINADO A FAZÊ-LO.

Se você é pai, mãe ou diretor de escola, essa série vai te fazer prestar mais atenção na psiqué de quem está sob a sua responsabilidade ou direção. Se você tiver sangue e humanidade correndo nas veias, vai te impulsionar a transformá-los em seres humanos mais fortes, mais respeitosos, mais seguros de si, mais saudáveis, menos covardes. Mais felizes.

Não deixe de assistir aos comentários finais depois do último capítulo. E, sobretudo, divirta-se com a série! A arte mais salva do que mata!

Informação útil para quem ainda não estiver convencido: os produtores da série fizeram uma parceria com o CVV (Centro de Valorização da Vida). O serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção ao suicídio recebeu o dobro de ligações desde que a primeira temporada da série 13 Reasons Why foi lançada na Netflix. Além da parceria com a organização, a série também impulsionou uma campanha contra o bullying e o assédio nas redes sociais com a hashtag #NãoSejaUMPorque.

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O CVV atende 24 horas por dia pelo telefone 141, por e-mail, Skype e chat no site do serviço.  

O UMBIGO DO OUTRO.

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Animais. É isso que somos. Mamíferos placentários que desde o nascimento são marcados pelo umbigo. O próprio umbigo. O cordão umbilical é cortado e lá teremos aquela cicatriz, que fica pra sempre, pra nos lembrarmos da nossa condição de selvagens.

A vida inteira somos animais procurando o nosso espaço, as nossas vontades, os nossos gostos, as nossas comidas, o nosso amor – querendo encontrar e afirmar as nossas complexas personalidades. Com a diferença de que a nossa espécie – humana e privilegiada – foi presenteada com a capacidade de pensar mais elaboradamente, e de olhar com mais atenção para o umbigo do outro. Nesta ordem. Primeiro um, depois o outro.

Eu sei, isso demora. Pelo menos pra maioria. Me incluo nela. A necessidade desse olhar a gente descobre cedo. Os adultos ensinam aquele animalzinho de menos de 1,20 de altura a não azucrinar o coleguinha de óculos da escola, a não jogar bolinha de papel na professora, a pedir licença, a pedir desculpas. Eu sei, eu sei, regras. Assunto chato. Já tô parando. Já já chego onde quero.

A serenidade é um ideal. Difícil abafar o animal latente que há em nós. Nos emocionamos e concordamos com a sabedoria do provérbio de Salomão, que manda na lata a verdade, nua e crua: “tire um orgulhoso da sala, e não haverá brigas”. Pergunta-se: será que ele não era orgulhoso? Nem um pouquinho? Será que era mesmo tão evoluído? Será que conseguia auto domar-se com perfeição? Controlar seus instintos mais primitivos com constância?

A verdade é que tem gente que consegue se sair bem nessa tarefa. Eu conheço. E quero ser igual quando crescer.

Quando era pequena tinha medo de isso significar fraqueza – culpa da mídia, certeza. Entre a sem-graça, a desgraça e a nem-de-graça, eu só tinha pavor de ser a sem-graça. Acho que minha mãe se arrepende de ter rogado a Deus pra não ter filhas pombocas, pois imagino que não deva ter sido fácil lidar com 3 animaizinhos de sexo feminino – o que pode piorar um pouco as coisas – dentro de casa.

Tô deixando de achar tão-máximo-assim as mocinhas mimadas do cinema hollywoodiano, cheias de caprichos, orgulho e vontades, com suas poses e chiliques de donzela em apuros, pra dar valor às donzelas que se preocupam em se importar com o umbigo do outro. Que transigem. Que cedem para o bem do convívio geral. Que escutam. Que veem com benevolência a cicatriz do umbigo do outro. Gente fácil, sabe? Que tenta descomplicar. É essa gente que é lembrada. Amada. Que ganha poesia linda no epitáfio. É essa gente que tem ganhado a minha admiração e os meus suspiros. De verdade. Gente de verdadeiro brio.

E, o melhor de tudo, vai por mim – tô descobrindo que dá pra fazer isso sem precisar ser pomboca ou sem-graça. Desviar o olhar do nosso próprio umbigo, ser complacente, calar quando é preciso, observar e falar com calma nas horas difíceis é algo que divide espaço muitíssimo bem com um papel de protagonista solar, de alma brilhante, colorida, divertida e criativa. E é nessa junção que reside o verdadeiro poder. E é assim que nascem seres apaixonantes.

Chega a ser evidente que esse é o símbolo real da evolução da espécie, não? Tão óbvio que o princípio cristão do amor-ao-próximo só poderia nos favorecer. E é tão difícil de enquadrar. Às vezes doloroso de pôr em prática. Todo começo é difícil, vai. Mas tenho o grande palpite de que vale a pena tentar. Não é à toa que Manoel Carlos já confessou em entrevista que a característica que o inspira, encanta e mantém a intercessão entre as Helenas de suas novelas é a resignação, posto que divina, arrebatadora. E – se te faltavam argumentos – os machos piram.

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